Frederico Barbosa - em dez Poemas

Lascaux
1986

no cinema de Lascaux
(imagem sobre imagem)
cortes:
séculos de Klee

recortes de cores
nos desenhos do Kane
na voz bellae
(Billie & Ella)
nas suas pernas cruzadas
em frente à tv

mágico quase acaso
colorindo
(como que sem querer)
a caverna escura
em que a gente se vê

Frederico Barbosa nasceu em Recife, Pernambuco, no dia 20 de fevereiro de 1961. Em 1967 transferiu-se com a família para a cidade de São Paulo, onde mora até hoje.
Atualmente é diretor da Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura.
Seu primeiro livro, Rarefato (Editora Iluminuras, 1990), foi escolhido pelos jornais O Estado de S. Paulo e O Estado de Minas (Belo Horizonte) como um dos melhores livros do ano. Seu segundo livro, Nada Feito Nada (Editora Perspectiva,1993), foi publicado na Coleção Signos, dirigida por Haroldo de Campos, e ganhou o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro. Nos últimos anos, seus poemas têm sido traduzidos e publicados em coletâneas de diversos países, como os Estados Unidos, Austrália, México, Espanha e Colômbia.
Consultor técnico das coleções Ler é Aprender (O Estado de S. Paulo), Livros (O Globo, Rio de Janeiro) e Biblioteca ZH (Zero Hora, Porto Alegre), organizou para essas coleções, publicadas pela Editora Klick (São Paulo), vários volumes, entre eles, a coletânea Clássicos da Poesia Brasileira, os Poemas Escolhidos de Fernando Pessoa, Os Sonetos de Camões e os Contos Escolhidos de Artur Azevedo, além de assinar diversos dos estudos que acompanham as obras.
Em 2000 publicou Cinco Séculos de Poesia - Antologia da Poesia Clássica Brasileira, pela Landy Editora e o volume de poesia Contracorrente, pela Iluminuras.
Em 2001 preparou uma edição comentada dos episódios Inês de Castro e O Velho do Restelo, dos Lusíadas, de Camões (Landy Editora) e lançou o seu quarto livro de poemas, Louco no Oco sem Beiras - Anatomia da Depressão, pela Ateliê Editorial.
Em 2002 Frederico Barbosa publicou, em parceria com Claudio Daniel, a antologia de poesia brasileira contemporânea Na Virada do Século - Poesia de Invenção no Brasil (Landy Editora) e lançou o seu quinto livro de poemas, Cantar de amor entre os escombros, também pela Landy, para a qual criou e dirige a Coleção Alguidar.
Em 2004, lançou dois livros de poesia: uma antologia comemorando 25 anos de poesia, A Consciência do Zero (Lamparina) e, em parceria com Antonio Risério, o volume Brasibraseiro (Landy), que foi um dos vencedores do prêmio Jabuti.

a dutra e seu rio

o paraíba se enrosca
como cobra

acompanha fiel e tonto
como cão

revela-se em dobras
como ventre

amplifica o caminho
como lente

arrasta atrasa o tempo
como não

Frederico Barbosa

A reconstituição de um poema

1986

Traços de tinta no papel cortado:
pedaços de uma mesma declaração
reiterada a cada palavra vaga,
mesmo a mais errônea e emocionada.

Esse seu soneto (ainda mais um)
minha mão insegura, tola e tonta,
pronta a tramar sua própria destruição,
em momento algum logrou rasgar

Pois mesmo cega faca e inconstante,
sendo incapaz de se saber feliz,
confiar na felicidade que há,

sabe e sente que ser é diferente,
nesse mundo de triste imperfeição,
quando se ama de forma tão exata.

Frederico Barbosa

Aos mesmos sentimentos

1983

indecifrável seu sorriso
indeciso
a tensa calma e o dizer (nem sempre)
preciso

Frederico Barbosa

Ao gosto

dizem:
todo sabor
é ilusão

mas a língua
(na língua)
desemboca oásis

devota-se
ao gosto:
devorar miragens

Frederico Barbosa

Perfumes

1

cheiros cheios
de desejo
perfuram
veios


2
contra olfatos
não há ar
gumentos

Frederico Barbosa

Paulistana de verão

branca
segura a saia
surpreendente e mínima
como quem não
se sabe mostrar

no calor
desacostumada
insegura
atravessa a rua
revela-se quase
sem querer

beleza ZL
descolada
fingida pedra
desce da penha
retrô querendo-se moderna

o vento
leva-lhe a quase
saia
e vê-se a jóia
surpresa lapidada

que desaparece na boca quente
do metrô

Frederico Barbosa

Desfile

Fique à vontade!

Garotas em fila
oferecendo massagem.

Passam corpos
em desfile lento.
Umas são seios
outras molejo.
Umas são pernas
outras desprezo.

Expostas em série,
se pensam miragens:
são peixes na areia,
sereias de passagem.

Frederico Barbosa

Como quem lê

Virar a chave,
como quem lê uma página:
abrir por dentro,
libertar-se sendo.
Como quem se envolve na personagem,
lento.

Descobrir o além do sonho,
o impensado, o certo,
o mais que imaginado.
O que os olhos buscam cobrir
no sonho.

Ver em você, minha cara,
minha cara interpretada:
metade minha, metade clara.

Frederico Barbosa

Mares de Medo

Mundo
coberto de medos
de ouvir sua voz
(e de não ouvir)
de ler nos seus
de mim
(nos seus olhos)
dos seus olhos tristes
de medo
dos seus lábios fundos
(procurando os meus)
nosso ser se oculta
sob rasos risos
de medo

Frederico Barbosa