Múltipla
encontrei a mulher que sou
nos meandros da multiplicação,
mulher-telúrica
de corpo que é berço
de sêmen, de semente
e de semeadura,
que o ventre rasgou
e dele arrancou
os frutos e flores
que o leite nutriu,
mulher-contemplação
do calor volátil
que se espalhou
em várias direções,
do sangue esparramado
cumprindo vocação,
mulher-prelúdio
dos caminhos abertos
pelas próprias mãos.
Dora Vilela é graduada em Letras, com especialidade em Francês. Publica seus poemas, no blog “Pretensos Colóquios”.
Reside em Guaratinguetá, São Paulo.
Repouso
Realizo gestos universais,
pragmáticos, aceitáveis.
Guardam na mesmice
o conforto do descanso.
Formam meu patrimônio
duramente conquistado.
Fazem parte de um todo visível
e constroem meu chão.
Meus gestos abraçam o mundo,
sabem de cor suas leis.
Não são falsos.
Entretanto, não passam de arabescos,
contornos e toscos esboços
de um oculto desenho primoroso.
Dora Vilela
pragmáticos, aceitáveis.
Guardam na mesmice
o conforto do descanso.
Formam meu patrimônio
duramente conquistado.
Fazem parte de um todo visível
e constroem meu chão.
Meus gestos abraçam o mundo,
sabem de cor suas leis.
Não são falsos.
Entretanto, não passam de arabescos,
contornos e toscos esboços
de um oculto desenho primoroso.
Dora Vilela
Projeção
Desejo obter o linguajar
arrancado da emoção
como se arranca do peito
um coração
ainda palpitando,
de sangue latejante!
Desejo o cantar
da paixão avassaladora, louca,
recém-nascida!
E desejo o reboar dos trovões,
o ronco das tempestades,
o rugido das feras!
As onomatopéias todas!
Tudo isto para falar
do meu sentimento
que guardo,sem expressão,
porque o penso exangue,
porque o pretendo frágil,
porque o mantenho contido,
enquanto o retenho meu.
Dora Vilela
arrancado da emoção
como se arranca do peito
um coração
ainda palpitando,
de sangue latejante!
Desejo o cantar
da paixão avassaladora, louca,
recém-nascida!
E desejo o reboar dos trovões,
o ronco das tempestades,
o rugido das feras!
As onomatopéias todas!
Tudo isto para falar
do meu sentimento
que guardo,sem expressão,
porque o penso exangue,
porque o pretendo frágil,
porque o mantenho contido,
enquanto o retenho meu.
Dora Vilela
Percepção
No arrepio da brisa,
tremo levemente,
enquanto o corpo se reconhece
no pulsar das veias,
no trajeto do sangue,
no fluxo ininterrupto
das trocas que me percorrem.
Suave é o momento
dessa consciência orgânica,
e identifico, gradativa,
a existência se realizando.
Os sentidos se aliam
na missão da descoberta.
Minha leveza
se afirma,
meu ser corpóreo, nuvem,
minha anatomia, sopro
e minha alma, corpo.
Dora Vilela
tremo levemente,
enquanto o corpo se reconhece
no pulsar das veias,
no trajeto do sangue,
no fluxo ininterrupto
das trocas que me percorrem.
Suave é o momento
dessa consciência orgânica,
e identifico, gradativa,
a existência se realizando.
Os sentidos se aliam
na missão da descoberta.
Minha leveza
se afirma,
meu ser corpóreo, nuvem,
minha anatomia, sopro
e minha alma, corpo.
Dora Vilela
Perdidos
não vi a tarde que morria
perdi-a para sempre
e morri mais um pouco
com mais essa perda
a juntar-se à escassa poesia
que me escapa pela alma
hoje cheia de fendas e buracos
feitos_ não pelas balas perdidas_
mas pelos sonhos insuficientes.
Dora Vilela
perdi-a para sempre
e morri mais um pouco
com mais essa perda
a juntar-se à escassa poesia
que me escapa pela alma
hoje cheia de fendas e buracos
feitos_ não pelas balas perdidas_
mas pelos sonhos insuficientes.
Dora Vilela
Teoria
amenizo minha voz num sussurro
e sopro teu nome
escandindo as letras
rente ao teu ouvido
entre mil modulações
em que sabes distinguir
cada peculiar intenção,
e essa orgânica sabedoria
onde foi que a adquiriste?
de mim?
de ti?
de nós?
ou de um a priori
em que não cremos
e a quem assim mesmo
agradecemos?
Dora Vilela
e sopro teu nome
escandindo as letras
rente ao teu ouvido
entre mil modulações
em que sabes distinguir
cada peculiar intenção,
e essa orgânica sabedoria
onde foi que a adquiriste?
de mim?
de ti?
de nós?
ou de um a priori
em que não cremos
e a quem assim mesmo
agradecemos?
Dora Vilela
Perseguição
meus versos são sombras
que me seguem passo a passo
me espreitam a face
me auscultam o sangue
me examinam a pele,
tropeço nos meus versos
que se interpõem nos ladrilhos
como brinquedos largados,
esbarro neles nos vãos dos guardados
sob a poeira que limpo,
misturam-se aos meus afazeres
sopram-me tolas cantigas,
jamais se aquietam
segurando-me pelos ombros
no primeiro canto de galo
que desperta minha manhã.
Dora Vilela
que me seguem passo a passo
me espreitam a face
me auscultam o sangue
me examinam a pele,
tropeço nos meus versos
que se interpõem nos ladrilhos
como brinquedos largados,
esbarro neles nos vãos dos guardados
sob a poeira que limpo,
misturam-se aos meus afazeres
sopram-me tolas cantigas,
jamais se aquietam
segurando-me pelos ombros
no primeiro canto de galo
que desperta minha manhã.
Dora Vilela
Imanência
era no entardecer
minha mania de chover em lágrimas
de puro nada dentro
uma agonia da voz do vento
que nem comigo mexia
ao me encrespar os fios
era no lusco-fusco
minha errância de tristeza informe
meu medo vazio de coisas
era no crepúsculo que eu morria
de angina ou de nevralgia
por ansiedade não sabida
era no pôr-do-sol
minha identificação
com a finitude dele
e de mim.
Dora Vilela
minha mania de chover em lágrimas
de puro nada dentro
uma agonia da voz do vento
que nem comigo mexia
ao me encrespar os fios
era no lusco-fusco
minha errância de tristeza informe
meu medo vazio de coisas
era no crepúsculo que eu morria
de angina ou de nevralgia
por ansiedade não sabida
era no pôr-do-sol
minha identificação
com a finitude dele
e de mim.
Dora Vilela
Incapacidade
Só amasso as palavras nos dentes,
sinto-lhes os cristais,
dilacerados,
que não consigo engolir
e as devolvo ao vento,
são secas,
sem minha substância,
sem minha saliva,
esqueletos de ossos frágeis,
não lhes doei meu sangue,
filigranas que são
do vero ouro
que deve haver nos veios,
nos ocos,
onde não ouso escavar.
Dora Vilela
sinto-lhes os cristais,
dilacerados,
que não consigo engolir
e as devolvo ao vento,
são secas,
sem minha substância,
sem minha saliva,
esqueletos de ossos frágeis,
não lhes doei meu sangue,
filigranas que são
do vero ouro
que deve haver nos veios,
nos ocos,
onde não ouso escavar.
Dora Vilela
Do que não tenho certeza
nem sei se queria esse presente
desejado,
desencadeio contradições se
rasgo a fita que o envolve,
todos o almejam
e o festejam,
não sei se o queria
exatamente a ele
ou a sua fita que se amarra em mim
antes que eu o entreabra
e comece a pensar
da maneira que esperavam de mim,
não quero essa oferta
incensada e ancestral
mas, agora passou o momento
de devolução.
Dora Vilela
desejado,
desencadeio contradições se
rasgo a fita que o envolve,
todos o almejam
e o festejam,
não sei se o queria
exatamente a ele
ou a sua fita que se amarra em mim
antes que eu o entreabra
e comece a pensar
da maneira que esperavam de mim,
não quero essa oferta
incensada e ancestral
mas, agora passou o momento
de devolução.
Dora Vilela
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