Míriam Monteiro - em dez Poemas

Vestígios


... E o meu corpo
sabe ao teu,
ainda que
incógnito em mim.
Luas perdidas,
escancarados sóis,
estrelas caídas,
suores e vigílias.
Meu corpo sabe
das dobras do dia,
das sobras de sonhos,
das curvas da noite
em que te escondias.
Das frestas
do teu olhar insone,
tuas senhas e segredos,
teus vestígios
no meu dia.
Carícias sussurradas,
palavras proibidas.
Eu me adivinho
entre sustos,
no sobressalto das horas
em que me despertenço
e passo a ser
somente tua.
Um caminho sem volta,
nessa imensidade
de caminhar
sem rumo.

Míriam Monteiro : "Nasci numa cidade do interior de São Paulo, Amparo, onde cresci, criei raízes e permaneço até hoje. Terapeuta Ocupacional, atuo na área de Saúde Mental, onde convivo, cotidianamente, com os Deuses, os Demônios, os Sábios e os Aprendizes, que residem no íntimo daqueles a quem chamamos "insanos" por terem ousado viver "(d)o outro lado".
Desde cedo, encantei-me com a magia das Palavras, mas só me entreguei ao encanto delas há pouco tempo. Então, a Poesia enredou-me em suas tramas, mostrou-me a sua face nem sempre bela. Ao mesmo tempo, ela me desafiava a mostrar todas as minhas faces, a sangrar os sentimentos todos. E, quando sangro, é ela quem me toma pelas mãos e me acolhe, conforta, para, em seguida, postar-se, novamente, em duelo.
Empunhando como arma, a palavra, a Poesia me rasga, me expõe, me desnuda, extraindo o que há de mais belo, de mais doloroso e mais suave, em mim.
Ainda não pude decifrar-lhe todas as faces, tampouco pude conhecê-la por inteiro. Mas numa mágica que não decifro, à medida em que tento traduzi-la, é a mim que descubro, são as minhas faces que se mostram todas.
Nada tenho publicado, ainda. Um pouco mais de minhas letras, pode ser visto no Blog Meu Porto, que foi o início desse meu quase-vício de rabiscar e transbordar sentimentos".

Que as palavras...

Que
as palavras
escorram
da minha
boca
e adocem
tua saliva.
Que
tuas mãos
invadam
todos os meus
esconderijos,
derrubem
todas
as minhas
(tão frágeis)
resistências.
Que
as pontas
dos teus dedos
desnorteiem
a bússola
do meu desejo.
Que
a tua boca
provoque
o desvario
dos meus
sentidos
todos.
E que
eu me perca
nas tuas ânsias,
me dilua
no teu suor.
E então
possa me ver
inteira.
E resgatada.

Míriam Monteiro

Metáfora

Ser palavra...
(Gesto
mais que
sutil)
correndo
livre
pelas bocas
pelas veias...
Asas:
Metáfora
mais que perfeita
da leveza
que busco
(mesmo
nas duras
pedras
do chão)

Míriam Monteiro

Cumplicidade

É minha,
a sede
que te seca
os lábios.
É o meu ar
que te falta
e sufoca.
São teus,
os seixos
do meu rio,
são minhas,
as marés
que te alagam.
É a melodia
das minhas águas,
esse teu riso.
É a tua palavra
não dita,
a minha mordaça.
É teu,
o nome
que me cala,
é minha,
a fome
que te abrasa.
É meu suor,
o sal
que te satura,
é o teu sabor,
esse doce
da minha saliva.
A saudade
que te mora,
também
me faz cativa.
São tantos
os teus sinais
pelo meu corpo,
pelos meus dias...
Tão profundas
as marcas
dos meus pés
no teu caminho.

Míriam Monteiro

Caudalosa

E, quando
tua ânsia
me toca,
viro água.
E, porque
és terra,
invado teus leitos,
percorro
os segredos
das tuas entranhas,
inundo-te
com a minha fluidez.
E, porque
sou água,
misturo-me
ao teu sal,
enrosco-me
nos teus seixos,
farto-me
dos teus humores.
E, porque
me queres água,
entorno
os teus sentidos,
inundo teus veios,
faço brotar
tuas vertentes.
E faço-me eterna,
ampla,
plena,
largo e caudaloso rio
para abarcar-te
inteiro.

Míriam Monteiro

Inúteis versos

Escrevo
como o náufrago,
que lança ao mar
um pedido de socorro
e não espera resposta
ou aceno.
Escrevo como
quem ora
a um deus
em que não crê,
como o cego
que adivinha cores,
sem nunca as ter.
Escrevo
como quem
tece horas
na urdidura
de uma noite
sem sonhos
ou estrelas.
Escrevo
como quem chora.
Escrevo ao vento...
Inútil
esse meu
rasgar sentimentos.
Nenhuma palavra
que me resgate
ou cure.
Ou salve.

Míriam Monteiro

De Silêncios

O meu silêncio
é uma catedral
de assombros,
onde sussurram
antepassadas vozes,
onde repousam
antepisadas pedras.
A minha prece
é feita de silêncios
- se derramo palavras,
transbordo as ausências
que me povoam.
Entre minhas mãos,
infinitos
espaços de tempo.
A um passo de mim
é onde sempre
me encontro
e não me alcanço.

Míriam Monteiro

Quebranto

Deixa que te alcance,
o meu poema.
Brancos e brandos versos,
vagando cegos,
tateando sendas.

Mas, que sejam,
esses meus versos,
fúria e tempestade,
que te açoitem
os nervos,
que te provoquem
a fome dos meus seios.
Que a tua boca
se embriague,
lenta e docemente,
sugando
do ventre desses versos,
todos os meus segredos.

Míriam Monteiro

Desterro

Quero
o teu verso
à mingua,
teus fragmentos
de infinitos,
a dilacerante
melancolia
de tuas marés
em tácito
silêncio.
Quero
a navalha
do teu desejo,
na minha carne viva,
em brasa ardendo.
Óbvio
ou absurdo,
náufrago de mim,
eu te quero
inteiro.
Pois,
onde faltas,
eu transbordo
e onde deserto,
tu me habitas.

Míriam Monteiro

A minha...

A minha
vida
estreita,
espreita
esperas.
Respira...
Suspira
Inspira
Retém.
Refém
dos teus
passos,
minha alma
já não voa,
caminha.
Lenta,
arrasta
horas
e asas

Míriam Monteiro